2.2.14

Bó.



Haverá cá em cima quem lhes chame vó. Eu nunca chamei. Foi sempre "bó" e só depois de entrar para a escola é que entendi que se escrevia com o v de vaca e de veado.
O bó - cá de cima - é mais pujante, como de resto, todo o resto. Porque o nosso b - ou pelo menos, o meu - encerra em si, tantas outras palavras. B, de cuidar. B de levar à escola. B de adormecer. B de alimentar. B de mãe, também...mãe a dobrar. B, de força. B de exemplo. B de presente.
Naquele Domingo, há cinco anos atrás, a manhã estava assim. Não havia sol. Havia nuvens.
Vesti de preto, passei um creme e apanhei o cabelo. E assim me viste a última vez. De preto, porque de preto me deixaste. Mas viste-me o rosto, sem base, coberto de sardas. Os olhos denegridos pelas noites de sono sobressaltado por saber-te ausente da tua cama. Por ter-te doente. E na tua idade, já não podias adoecer.
Deixei-te essa imagem. Com palavras. Beijos. E a minha mão nas tuas rugas. Esperei que fechasses os olhos. Serenamente, como quem adormece entregue aos seus.


"Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?" 

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