28.6.17

O que tem a gravidez a ver com o Salvador Sobral?



Enquanto esperava para colher sangue apercebi-me do alvoroço em torno de qualquer piada do Salvador Sobral. No concerto solidário pelas vítimas dos incêndios, os portugueses - ou a maioria dos portugueses que estão na rede - queriam pegar no homem que há pouco mais de um mês lhes devolveu a esperança e pegar-lhe fogo. Queime-se já o infeliz que teve a ousadia de brincar depois de mais uma actuação brilhante e que se foda que há uma semana tenha sido o primeiro a ceder toda a receita da venda do seu álbum no concerto de Ourém.
Não descortinei imediatamente a piada porque os utilizadores da rede, mais importados com a discussão às tantas já se atacavam uns aos outros desviando-se do tema, até que uma alminha decide publicar na íntegra a flamejada observação, "vocês aplaudem tudo o que eu faço, vou dar um peido e ver o que acontece". Aconteceu que aplaudiram.
Primeira observação: não entendo tanto alarido porque desde que começou o fenómeno Salvador sempre se percebeu que o puto se estava a cagar.
Segunda observação: é nestas merdas que os portugueses se espalham. Somos um povo do caraças num país do caraças. Tenho um orgulho imenso no meu sangue lusitano, mas a nossa pequenez reflecte-se - ainda - na incapacidade de nos rirmos, especialmente se for de nós próprios. Continuamos a ser um povo fechado entregue às dores que carregamos nas cruzes como se uma gargalhada estridente fosse presságio de um destino maldito que se cumprirá dali a um par de horas. Parece que estou a ouvir a minha mãe, "vai-te rindo rapariga, olhe que é mau sinal".
Na minha modesta opinião a piada do Salvador foi pura humildade de quem ainda não encontrou o seu lugar no carnaval da fama, "porra eu não sou ninguém, não faço nada demais e vocês aplaudem...deixa cá ver se der um peido...". Onde é que isto fere??? E atentem que estou grávida com a sensibilidade nos píncaros, ainda ontem chorei com um excerto da Bela e Monstro.
E agora, perguntam vocês em coro: e o que tem o Salvador a ver com a gravidez? Nada, mas foi o pretexto que encontrei para uma queixa que está há mais de seis meses a provocar-me comichão e que tem a ver com as pessoas. Lá terei que me repetir novamente, os portugueses são maravilhosos, mas depois há questões para as quais não estão ainda devidamente sensibilizados ou não desenvolveram ainda sentido cívico e isto nota-se tanto mais nos aglomerados populacionais menores.
Passo a explicar, estou pelos cabelos de me sentir invisível, mormente nas filas dos supermercados, mas já me aconteceu em todo o lado, até debaixo de um calor de 40 graus com seis pessoas à minha frente para levantar dinheiro. Chega a ser parvo o esforço que fazem para não mexer a cabeça e darem com uma monumental barriga. Quase não pestanejam, não vá dar-se ali um estrabismo qualquer que os leve directos ao ventre de uma mãe em sofrimento que a única coisa que queria era ver cumprido o seu direito ao acesso prioritário.
Entendo que em grande parte da gestação nem seja perceptível e que dependa muito da grávida querer beneficiar da prioridade chamando a atenção dos responsáveis, mas nesta fase???? Não basta o tamanho da barriga ainda lhe juntámos a respiração ofegante e as mãos na anca só para não as levantarmos a todos os santos pela alma desses pecadores indiferentes a quem carrega vida.
Já me aconteceu reclamar a minha prioridade, o operador de caixa pedir-me que avançasse e ter quem me interpelasse, "passou à frente porquê????? Ai.... está grávida, gravidez não é doença". Levares com uma pescada congelada nos queixos também não é crime em legítima defesa, pois não.
No início da gestação, uma funcionária de um supermercado cujo nome não vou revelar, mas adianto que começa e termina com um L, disse-me que a prioridade só se punha a partir dos cinco meses!!!! Ah????? Tem cinco segundos para chamar o seu superior.
Li recentemente uma grávida de Lisboa a escrever precisamente o contrário, que desde que no final do ano o decreto lei foi actualizado com penalizações mais severas as pessoas estavam mais sensíveis e conscientes dos deveres cívicos e que em nenhum momento da sua gravidez tinha tido uma má experiência. Bom, infelizmente, estando eu na terceira gestação não noto, absolutamente, nenhuma melhoria comparativamente com 12 anos atrás.
Portugueses, nós somos um povo do caraças, mas conseguimos ser ainda melhores. Mas, isto sou eu que digo, não venha daí nenhum bife criticar o meu povo que não respondo pelas minhas hormonas.

3 comentários:

  1. A mim, neste momento o que me está a encanitar é que raio de nome é esse que começa e acaba com "L"...

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  2. Humm... elevado grau de dificuldade... Qual será o hipermercado cujo nome começa e acaba com a letra L????
    ;-)

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  3. A estupidez das pessoas não tem tamanho. E "gravidez não é doença", já chateia. Existem gravidezes de risco.
    Eu dou doente oncológica e ando com um relatório médico dentro da mala, para o atirar nas trombas do primeiro que se oponha ao meu direito à prioridade.

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