2.6.11

O meu serão nas urgências dava um filme



Esta semana tem sido de loucos!. Acho que nunca vi tanto sangue desde o parto da minha Carolina ou de quando o meu homem se cortou a semana passada a desfazer a barba. Primeiro, foi a tragédia de segunda feira (cujo tema esgotou).  E depois foi ontem, um serão nas urgências do Senhora da Oliveira. Aquilo eram transfusões, miúdos de cabeça partida, mães de toalha na mão a enxugar o sangue que escorria perante a indiferença dos prezados profissionais de saúde. Juro que se não soubesse que o meu homem sofria pelo corpo estranho que lhe tinha entrado no olho, logo pela manhã, tinha pensado, "na, isto é para os apanhados, vocês tramaram-me. O miúdo não está a sangrar, aquilo é ketchup...".
Antes de nos dirigirmos ao público (e que fique aqui esclarecido que eu sou a maior defensora do nosso Serviço Nacional de Saúde), fomos ao privado, até porque temos convenção. Dirigímo-nos às urgências e a excelentíssima funcionária nem se deu ao trabalho de ver quem lhe acabava de entrar porta dentro. "Boa tarde", digo eu. Quase meio minuto depois e ainda de cabeça baixa, responde, "boa tarde". Segue-se mais um intervalo de 1 minuto e, agora sim, olhando para mim, questiona, "posso ajudar?". "Não menina, não pode, viemos fazer uma visita guiada às urgências. Não nos apeteceu jantar, sabe e como dizem que o hospital privado está tão bonito, tão bem decoradinho, até parece um hotel, os médicos e funcionários são uma lástima, mas isso é secundário, então viemos cá, conhecer os cantos à casa".
Saímos e lá fomos ao público. Ficha feita. Triagem após cerca de 10 minutos e encaminham-no para a pequena cirurgia. "A senhora espera lá fora". "Oi? Espero onde? Porque carga de água? Já ouviram falar aí num decreto que saiu que contempla o acompanhamento do doente nos serviços públicos? E que assim só por acaso até está afixado ali na sala de espera das urgências". "Minha senhora vai discutir isso comigo?". "Não, não vou. Vou mesmo entrar". E entrei. O Nelson olhou-me, corredor adiante e deitou-me aquele olhar, "já sabia que vinhas". Atrás de nós uma sala com uns três médicos em amena cavaqueira, a mangarem do sotaque de uma madeirense que lá estava. À minha frente, sentada numa das cadeiras, uma mãe com um filho rebentado (literalmente) no colo. O rapaz tinha caído de bicicleta, deitava sangue por todo o lado. Os lábios tinham ganho proporções de uma bola de rugby. A criança aparentava sonolência e gemia. E atrás de mim, o riso dos médicos que de porta aberta conseguiam ver o estado daquele miúdo. Entretanto, passa um no corredor, e os gazeteiros da sala atiram, alto e bom som, "hey junta-te a nós, estamos aqui na reunião do tuperware". Ok, isto é para os apanhados, só pode. Tenho de tomar um xanax porque estou prestes a panicar.
A pobre e paciente mãe, levanta-se, com o filho nos braços, a toalha ensanguentada e questiona, "posso interromper?". Fez-se um silêncio de culpa naquela sala. "Ninguém vai atender o meu filho?". E ninguém lhe respondeu. Até que uma enfermeira lhe diz, "ele está bem. Olhe para ele. Nota-se logo quando uma criança não está bem e não é o caso. Não está diferente dos outros dias, pois não?" Oi??? Na minha senhora, o miúdo é vampiro e como ainda não aprendeu a beber o sangue sem se sujar dá nisto e depois fica com este aspecto de ferido. E também é absolutamente normal estar a gemer e como o pai é da Mongólia tem assim os lábios e os dentes partidos. O que é isto???? Em que "mãos" estamos????
Já nem vou falar da idosa de 97 anos que aguardava ansiosamente a sua vez e gritava com a filha de meio em meio segundo e perguntava insistentemente "vou mijar na mão?". "Faça na fralda, mãe", respondia-lhe a filha. Entretanto chega uma jovem imobilizada. Tinha sofrido uma queda. "Erga as pernas, consegue?". "Consigo". "Onde é que dói?". "Dói-me o rabo". "Ok, vai fazer uma chapa" e vira-se para a mãe da jovem e diz "leve-a para o raio x". Oi???? Agora, os familiares são maqueiros??? A senhora não sabia onde era o raio x nem tão pouco como conduzir a maca.
E para terminar o meu serão assim mesmo em grande, uma criança com cerca de dois anos com convulsões nos braços de uma médica que corria para a sala de reanimação. A mãe aos gritos cá fora.
"Ouve lá, se não tiveres nada no olho, vais passar a tê-lo pelo menos de outra cor...vais passar a tê-lo roxo".

2 comentários:

  1. Como jornalista deverias dar visibilidade a essa falta de cuidados dos nossos queridos profissionais de saúde... Não tem condições para trabalhar que as reclamem, não podem é tratar os utentes como se fossem números que não sentem, nem pensam!! Uma tristeza a forma como não cuidam de nós...

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  2. Mary este post parece ficção, mas juro a pés juntos que não é!!! Verdade, nua e crua. Assustadora e outros pormenores que me escusei a partilhar.
    Conclusão: ou chegas a morrer às urgências, tipo um AVC, a enfartar...ou se precisares de cuidados, mas até pronto, naquela...já foste... E quando eles se apercebem pode ser tarde demais. Como o miúdo que só foi atendido quando entrou em convulsão. Medo. Muito medo!

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