22.9.14

Este post é para o primeiro amor da minha vida.


Aquele envelope continha mais do que o primeiro prémio do Euromilhões. Num Sábado de Setembro a tua avó trazia-o fechado na mão. Acenou-me que sim. Fiz-me de parva. Queria a palavra. A palavra dita, com a voz. "Sim", insistiu com firmeza. E num instante pareceu-me tão pouco tudo o que pudesse fazer. Num instante a minha vida, o meu corpo, virou embalagem. Não era possível uma coisa tão boa estar a acontecer comigo. Eu que há 1 ano tinha ficado orfã de pai. Eu que vivia amputada, era agora duas vidas.
Lembro-me de dizer "tenho de chorar", mas tu sabes como sou péssima com isso.
Telefonei. A todos quantos me lembrei.
Nesse Sábado, comprei uns carapins brancos e dezenas de revistas sobre bebés e gravidezes. No mesmo final de tarde li tudo. E comecei a ficar assustada. Duas vidas. A tua sobreposta à minha.
As vezes que vomitei. No jornal. De joelhos na casa de banho. Na banca da cozinha. No carro. Mas, sempre com valentia porque entendi que era o mínimo que podia dar, depois do máximo que me davas.
Foi, também, a um Sábado que te senti a primeira vez. Era um bater de asas, quase imperceptível, até se tornarem movimentos diários e constantes.
Nascemos ambas naquela quinta feira de Maio, ao cair da noite. Sofri tanto. Quis dessitir. Tornei-me filha no momento em que a única alternativa era ser mãe. Exigi que a vovó estivesse comigo.
Com custo - muito custo - nasceste, nascemos. Não foi naquele instante ensaguentado que te entendi como minha. Precisei de 5 minutos. Entregaram-te. E nada voltou a ser igual. Era como se nada pudesse fazer sem que o fizesses também. Custou-me a entender a tua individualidade. Continuo a confundir as nossas vidas. És carne da minha e isso não se separa.
És o primeiro amor da minha vida. E ninguém te tira esse estatuto. És eu. Tens os meus dentes. Tens a minha persistência, doentia e aborrecida. A curiosidade dos olhos que comem. A minha segurança e os meus medos.
Quantas viagens fizemos ambas? Quantas noites tivemos só nossas? Eu. E tu. Quantas gargalhadas me deste só a mim. E o choro das cólicas entre as 21 e as 22 horas, tantas vezes, só meu também.
Há coisas que não nos tiram. Não te tiram de mim. Não me tiram de ti.


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