7.6.11

Este jeito de ser português




Ainda há uns anos podias ser queimada em praça pública se usasses uma combinação de vermelho com rosa. Hoje é um sucesso. Hoje, basta teres uma ponta de estilo e podes tudo. Vestir peles e havaianas (grande tendência em New York), teres no corpo um vestido verde alface e nos pés um azul turquesa…O que está a dar é o estilo semáforo, só que com uma palete mais vasta de cores. Meninas, deixem-se de combinar bolsas com sapatinhos e verniz das unhas. Isso já deu. Todos já entenderam que sou gaja de tendências. Posso não ter pernas para minis (por acaso até tenho), mas se se usa, vou vestir (vestia mesmo depois de parir quando tinha mais…….quilos no lombo). Posso não ter mamas para cai-cais (por acaso até tenho), mas se é a tendência da estação estou lá. Estou lá para tudo. Para curtos, compridos, coloridos, pretos CK, gangas guess jeans, apanhados, longos, lisos, ondulados, unhas verdes ou azuis... Só não estou para duas coisas. Para rasos e para dizer mal de Portugal. Oh pá, poupem-me...
Once upon a time, li uma entrevista de uma brasileira (pelo menos acho que era) que dizia que só quem nunca fez amor com um português não entende porque povoamos meio mundo. E isto diz (quase) tudo. Mas eu posso acrescentar mais umas quantas coisas. Quer dizer, por mais que inveje a irritante organização dos nórdicos, a alegria patética dos sul-americanos, a sabedoria ancestral dos orientais, eu não quereria ter nascido noutro lugar que não fosse Portugal (especialmente Guimarães). E por causa de quê? Perguntam vocês. De tanta coisa, respondo eu. Assim de repente…ah já sei… da literatura. A literatura portuguesa é a mais bela do mundo. Quem mais tem, como nós temos, a deliciosa acutilância de um Eça, a fértil esquizofrenia de um Pessoa, o pulsar acelerado dos amores proibidos de um Camilo, a inquieta e inquietante interrogação de um Torga, a constante metamorfose de um Lobo Antunes… E tantos outros que minha amiga Mary sabia enumerar melhor que eu.
Somos densos no pensamento, mas claros nas palavras. Somos complexos no raciocínio, mas inequívocos na mensagem. Somos filósofos, críticos, provocadores. Brincamos com as palavras como malabaristas. A língua é, para nós, um fim em si mesmo e não apenas um meio. É isso que nos torna ricos: a capacidade de chamarmos as coisas pelo seu nome mais simples e óbvio e, no entanto, conseguirmos enchê-las de significado, pô-las a fervilhar. Chamamos "vento" ao vento, mas mudamos-lhe o rumo e a intensidade pela forma como o colocamos na frase, pela mestria com que o intercalamos com outros vocábulos. Dominamos, como ninguém, a gramática das emoções, a sintaxe da crítica social, a ortografia da reflexão. Somos verdadeiros na escrita. Como talvez não sejamos em mais nada. E agora, dizem vocês, “ah só dizes isso porque és jornalista, porque a tua vida é escrever, ler, escrever, ler...”…talvez… mas não preciso fazer um esforço sobrehumano – como o que tenho feito à noite quando me dedico aos abdominais – para descortinar mais motivos de orgulho por pertencer a esta nação à beira mar plantada. Há a comida... aquele tempero que rapamos com o pão o que resta no prato; o estrogido apurado. Há o Vitória. Há o clima... nem frio nem calor…aquela bafarada do verão que desejas no Inverno e aquele friozinho suportável que sentes falta quando estás na esplanada a escorrer sour e a meter a barriga para dentro antes de saltares para a água. Há este jeito de ser português. De não sermos altos nem baixos. Nem gordos nem magros. Nem loiros nem morenos. Nem muito espertos, nem muito parvos. De não sermos estereotipados. De termos feito uma revolução com flores e foram essas flores que nos permitiram ser livres. Temos o Mourinho e o Ronaldo e agora até temos o Passos Coelho (perdoa-me Zézinho). E Guimarães que já tinha o castelo e o Paço dos Duques, vai ter a CEC 2012. Temos os melhores arquitectos do mundo e que se saiba ainda por cá não moram terroristas dispostos a lutar pela independência de Bracara Augusta… ou homens-bomba que queiram fazer explodir o estádio da luz. Temos praias de norte a sul e atravessamos o país numas 8 horas, vá. Porque também temos leis e não convém ultrapassar os limites de velocidade. Temos (para já) Serviço Nacional de Saúde que por acaso o Obama até quer copiar. Não vemos a nossa Justiça executar ninguém – se bem que ainda não sei se isso me agrada ou desagrada. Também não temos prisão perpétua (idem aspas). E o principal, a nossa constituição permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas não permite que se compre a morte, como já se faz por aí.
Somos dos melhores em saúde materno-infantil e somos os que temos mais telemóveis per capita e mais shoppings por metro quadrado. Tivemos a Amália, Afonso Henriques e Artur Agostinho. E relógios, isso, não são só os suiços que os têm…Pois, relógios e horas, também temos…Fui.



 *ah, e temos a Carolina e a Constança...

2 comentários:

  1. Amiga muito lindo o teu texto, muito visceral, mas e o Luís Vaz de Camões?!? Não te podes esquecer desse grande escritor que faz parte do cânone literário e que só por acaso é mais estudado em Inglaterra do que cá!!! Mas é NOSSO...

    ResponderEliminar
  2. Adorei este texto e até posso dizer aonde anda crise no meio disto?? por momentos esqueci dela.

    ResponderEliminar