Há uma grande diferença entre quem te conheceu criança, aluna, parceira e quem te conhece "jornalista".
O título imediatamente se impõe à pessoa. Supera a tua individualidade. Enquanto colega, conhecida, cliente, vizinha...mulher.
Os outros usam o nossa posição profissional a seu bel prazer.
Cercam-te no supermercado e em jeito de conversa põem a boca no trombone, como se a tua presença, anos a fio, nas reuniões do executivo te permitam o licenciamento para o barraco nas traseiras.
Tocam à campainha com livros de colorir e brigadeiros de chocolate porque o tempo sobra desde o desemprego forçado há coisa de dois meses, como se as conversas circunstâncias de sapatos e cabelos com a vereadora da educação te permita uma cunha na secretaria do agrupamento escolar, próximo, ou não, da sua área de residência.
Há aqueles, jovens empreendedores, que te recebem a primeira vez, onde gastas 7 euros por simpatia e te pedem que preenchas a ficha de cliente.
- Olha, é jornalista!!! Que engraçado. Tem que escrever aqui sobre a loja.
Ora pois...é que é já a seguir.
E depois, há os outros. Os que não olham para ti. Não perceberam, ainda, a cor do teu cabelo e que só pareces alta pelos saltos que calças. Porque quando te olham vêm um cartão, vermelho com a palavra PRESS.
- A dada altura frequentava a noite no Porto, numa casa só com gente VIP... mas não posso falar sobre isto porque você é jornalista...
- A semana passada andava às compras no Continente, estava com tanta fome que não resisti, abri uma embalagem de Donuts... ai, mas você é jornalista, não devia contar-lhe estas coisas...
- Nos saldos de Inverno comprei um blusão. Usei-o logo no dia seguinte, mas depois vi outro que gostei mais, então fui devolvê-lo... oh meu Deus, o que eu contei a uma jornalista???
Finalmente, há o presidente do Vitória que se senta bem atrás de ti, numa pastelaria vazia e silenciada pelo madrugar do dia e fala das dispensas, contratações e do que quer gastar na próxima época.
Mary, pousa aí o gravador.
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