10.4.14

Aos anónimos fofinhos



Aqui deitada na minha cama importada de Itália com a encosta da Penha do meu lado esquerdo, o meu olhar centra-se na varanda. Podia mirar o Pio IX e lembrar-me de beijos apaixonados e amassos ou das manhãs de Domingo nas escadas do santuário com o vestidinho de griffe. Folhos e rendas. Mas a minha atenção está toda concentrada na varanda. Tudo o que me apetece é botar a mão a um balde, enchê-lo de lixívia e duas gotas de lava tudo com cheiro a limão, agarrar na vassoura. E esfregar. Esfregar até ganhar farpas nas mãos. Esfregar até me sair o gel das unhas. Mas, era capaz de não dar jeito. Saí há minutos do cabeleireiro e deixei lá um salário com a descoloração e o tratamento de keratina.
Agora sim. Bate a bota com a perdigota. Loira platinada. Folhos e rendas. E os cromados do carro novo que chega para a Páscoa. Oh pá queixem-se da varanda suja, esqueçam os cavalos do bicho, menino para fazer grande escarcéu nas minhas chegadas matinais depois dos serões no Chiado.
Ainda o meu pai não tinha arrefecido na urna lacada já eu estourava em Madrid o cartão cujo código lhe arranquei no leito da morte.
Comprei rendas. E folhos. E assim tenho estado na vida. Foi-se o velhote. Vieram as duas criaturas que estão para mim como a Carolina Herrera com as minhas iniciais. Tenho-as como um acessório valioso. Visto-lhes rendas. E folhos. Dou-lhes uma palmadinha nas costas ao deitar e ao acordar. De repente perdi-me na idade das miúdas. Nem sei se a mais novinha já dorme a noite toda. Ou se ainda usa fralda. Também isso não é importante. Conheço-lhes o guarda roupa de trás para a frente. Organizo-lhes o outfit em consonância cromática. Tem dias que perco a cabeça e levo-as à escola de mão dada naquela da fotografia.
E assim tenho estado na vida. Entre rendas. E folhos.
Mas agora olhando a varanda acho que vou botar nas miúdas, rendas e folhos, e fazê-las esfregar a varanda. Pode ser que estraguem uns vestidos baratos que tenho para ali - não me custarem mais de 500 euros - e assim já não me custa transformá-los em panos de cozinha.

PS: tenho tantos sapatos que já os ponho de baixo da cama. Devem estar cheios de pó, né ;-)

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