Saí da avaliação com ordem de internamento e com a pipi amparada por uma fralda da Big Mamma.
Quando me abeiro do homem, na sala de espera, já ele confraternizava alegremente com outros exemplares passivos no processo de expulsão das criaturas, ou seja, os outros espermatozoides responsáveis pela coisa. Vocês não sabem, mas em qualquer canto do mundo o homem conhece alguém. Seja porque combateu com ele na Chechénia. Seja porque o assistiu numa das 634 quedas de mota. Ou seja, por motivo nenhum. Antes que a outra grávida se queixasse da primeira contracção já estávamos os quatro a tirar selfies.
Rapidamente nos instalaram. E mais depressa que ele adormecesse as minhas dores passaram do diminutivo para o aumentativo. Já o ronco dele concorria com o choro dos bebés quando chamei, pela primeira vez, a enfermeira. Tencionava partilhar-lhe a minha dor na expectativa que me valesse. Ora dos quase quatro dias que passei no hospital foi com esta senhora a pior interacção, não por ter sido má profissional, foi apenas indiferente, numa unidade em que todos, sem excepção, primaram pela empatia. Começou por levantar as sobrancelhas e eu processei, "amanhe-se, não há nada a fazer". E processei muito bem. Mas, afinal havia. Uma injecção no rabo. Quer dizer, não havia. Vocês que ainda não estão oficialmente em trabalho de parto, apesar de terem ruptura, recusem a injecção, só servirá para uma suadela enquanto vos picam o glúteo. A senhora enfermeira fez ainda questão de me informar que a o meu calvário seria longo, segundo ela, continuava muito
fechadinha. Entretanto, o homem dormia, encolhido no cadeirão, com as mãos entre os joelhos. E eu agonizava. Não me lembro quanto tempo aguentei até voltar a chamar a senhora. Estava a nascer o dia. Lançou-me o mesmo olhar e um pouco contrariada avisou-me que iria para o bloco de partos. A informação acordou o homem.
Segui num misto de entusiasmo porque passava ao next level, mas com muito medo, como se entrasse no ground zero. A partir dali era uma espécie de
vai ou arrebenta.
O bloco de partos é um espaço muito técnico munido com todos os apetrechos necessários para o desempenho do pessoal de saúde e para o sucesso do processo que culminará no nascimento de um bebé. Espera-se que mãe e filho terminem de boa saúde. No pequeno
aviário onde o pai vestirá o bebé pode ler-se um manual tipo "caso o bebé não respire faça primeiro isto, depois isto, a seguir aquilo". Na cama, ao nosso lado e na cabeceira estão sustentados os utensílios caso nos dê para entrar em paragem e quinar... às tantas vem-nos à cabeça as experiências macabras dos partos da idade média. Vale-nos o homem no cadeirão do lado esquerdo a jogar clash royal... Seria uma tragicomédia, falecer enquanto ele mata personagens estúpidas no campo de batalha.
Por esta altura, já eu estava num sofrimento inqualificável, absolutamente insuportável para o comum mortal. Imediatamente aceitei a epidural quando ma ofereceram.
Sentei-me na posição indicada, agarrei as mãos do homem, mexi-me indevidamente, suei as mãos do homem, fechei os olhos, respirei fundo... e entra na minha box o enfermeiro para solicitar a presença da anestesista num emergência. Ah???? A sério?????
- Não se importa? Aguenta mais um bocadinho? - questiona-me.
Porque é que nos dá para o altruísmo e a solidariedade nestes momentos????
- Sim, aguento... haverá alguém a precisar mais do que eu - consenti.
Bastaram cinco segundos para me arrepender. As contrações iam matar-me e eu não sou lamechas. Julguei-me largada, esquecida, sonhava com o momento em que a anestesista entrasse novamente porta dentro e me devolvesse a vida (porque eu estava a morrer de dores).
E entrou. E novamente perninhas à chinês, mãos no homem, suor, algumas reprimendas...e Paz. Que droga tão boa! Entrei nas redes sociais, postei, dormi, o homem assediou-me...
Foram mais 12 horas até a minha filha nascer num carrossel de emoções e dores. As contrações voltavam mais pujantes à medida que a epidural diminuía o seu efeito. Ainda assim, consegui sempre aguentar intervalos de duas horas.
Levantei-me, tomei banho, sentei-me na bola, comi gelatinas, falei com as minhas filhas pelo facetime e com os amigos nos grupos de conversação.
Perto das 20h comecei a sentir uma vontade estranha de puxar e não sabia o que fazer. Se aceder aos demandos do corpo ou, se me deixava estar quietinha... O homem dizia "puxa", mas o homem acha que sabe tudo. Lá voltei a chamar a enfermeira. Permitam-me abrir aqui um parêntesis para honrar a parteira que me assistiu em todo o trabalho de parto, mas que ironicamente acabou por não me fazer o parto. Não sei o nome dela. Era baixinha com o cabelo claro, daquelas profissionais da velha guarda sempre acompanhada por uma estagiária. Tornou a minha experiência ainda mais especial. Teve toda a paciência e atenção do mundo. Esclareceu-me todas as dúvidas e exageros. Sossegou-me. E nunca se mostrou incomodada com a espontaneidade do homem que veio muitas vezes acompanhada de vernáculo. Nunca a esquecerei. Antes de sair apresentou-me a colega que a substituiu e acabou por me acompanhar apenas no momento da expulsão. Uma enfermeira mais alta, carrancuda, mas igualmente muito profissional. Trocamos poucas impressões, uma delas foi "puxe" e eu puxei, duas ou três vezes. E a minha filha nasceu naquele que foi o momento mais lindo e emocionante da minha vida.
Nota de redação: Todas as mulheres, estando grávidas pela primeira, segunda, terceira ou mais vezes, reservam para a gravidez e especialmente para o parto receios e medos. Estamos perante um processo natural que corre, tendencialmente, bem, mas existem complicações a que todas estamos sujeitas (a Constança nasceu de uma cesariana de urgência por prolapso do cordão, é uma condição rara e grave que podia ter-lhe custado a vida). O parto da Maria João foi perfeito, melhor do que pedi nas minhas preces. Foi uma espécie de parto de filme que culmina num momento lindo e emocionante.
É verdade que as contrações não são humanamente suportáveis, mas a epidural é milagrosa e torna o trabalho de parto algo natural e pouco penoso.
Uma última palavra ainda para o pós parto, foi absolutamente maravilhoso, não tomei um único bénuron. Dores: zero. No dia seguinte estava capaz de parir outra vez.
Este é ou não é o texto mais pró-natalidade que leram?